Com oficinas de artesanato e grafismo, o projeto Parentas que Fazem, apoiado pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e Google.org, promove a valorização cultural e geração de renda para mulheres indígenas no Amazonas. A iniciativa fortalece a identidade e autonomia dessas comunidades através da troca de saberes ancestrais.
Créditos de imagem: Lucas Bonny
O projeto Parentas que Fazem vem realizando oficinas para resgatar tradições e trocas de saberes entre povos originários, como fazer artesanato com teçume de arumã e fibra de tucum, além do grafismo.
O Parentas que Fazem é implementado pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS), com apoio do Google.org, instituição filantrópica do Google, e em parceria com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e Rede de Mulheres Indígenas do Amazonas (Makira-E’ta).
As oficinas estão acontecendo nas sedes das próprias associações localizadas no Amazonas, que atuam com artesanato, entre outros produtos, para gerar renda, e compõem o projeto. Entre elas, está a Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro – Numiã Kura (AMARN), com sede em Manaus, e considerada a mais antiga do país, com mais de 37 anos de atuação.
Formada por mais de 35 artesãs de 10 povos indígenas, a AMARN vem recebendo oficinas para resgatar tradições antigas, inclusive, enfatizando a história de cada grafismo, seu significado e ensinando a inserir ele em peças de artesanato.
Uma das oficinas foi ministrada pela professora Ângela Moura, do povo Tukano, que é doutoranda na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e participou da fundação da associação na capital do Amazonas. Na oficina, ela trouxe a importância do grafismo no cotidiano das mulheres indígenas, o significado e o símbolo das cores em diferentes modelos, além do uso da arte dos grafismos na tecelagem, cerâmica, acessórios e outras peças. Houve ensinamentos sobre grafismos dos povos Tukano, Yanomami e Kayapó.
Segundo a professora, que também é secretária da AMARN, a oficina serviu como espaço de empoderamento cultural e fortalecimento da identidade das mulheres indígenas, que aprenderam e transmitiram conhecimentos sobre técnicas e significados dos grafismos.
Considerado um tipo de arte visual, o grafismo surgiu da cultura indígena. Mas, atualmente, faz parte de diversas manifestações artísticas como nos artesanatos, quadros, tatuagens, roupas, acessórios, entre outros. Nos desenhos de grafismo, as linhas seguem um equilíbrio e ritmo constantes, formando imagens que identificam povos indígenas.
“O grafismo é símbolo da manifestação cultural dos povos indígenas, e desempenha um papel fundamental no cotidiano das mulheres indígenas, não só como uma forma de expressão artística, mas também como uma forma de preservar e transmitir sua cultura, e identidade. Por meio do grafismo, elas compartilham histórias sobre seus mitos, rituais, modos de vida, garantido a continuidade das tradições e fortalecendo o vínculo com suas raízes culturais. Além disso, o grafismo pode ser usado na confecção de diversas peças que são fonte de renda para a subsistência de suas famílias”, explicou a professora.
Durante os encontros semanais, na sede da associação, as artesãs fazem uma roda de conversa, fazendo um resgate da história de cada uma; abordando o que faziam em suas comunidades; os ensinamentos de seus pais e dos anciões das aldeias; além das danças, comidas e costumes. Todas as informações são abordadas durante as atividades, fazendo, literalmente, um levantamento histórico da ancestralidade e legado do povo de cada artesã.
Para a secretária da AMARN, iniciativas como o Parentas que Fazem são importantes para estimular a nova geração de mulheres indígenas. “O futuro da AMARN vai depender dessa nova turma, que estamos trabalhando na formação política para que sejam mais resistentes, mais resilientes e mais empoderadas. Viver no contexto urbano numa sociedade tão preconceituosa não é para qualquer um. Essas mulheres precisam estudar, se qualificar, buscar novos horizontes, mas sem perder a essência de quem somos, que é nossa identidade, etnicidade, nossa cultura, nossa língua, nossa forma de ser e de falar”, afirmou.
Ela explicou que a associação recebe mulheres indígenas de diversas aldeias localizadas no interior do Amazonas. Em Manaus, muitas dessas mulheres precisam se adaptar e passam por uma série de problemas como preconceito, falta de emprego, aprender a falar o português, abusos, violências, entre outros. A associação se torna um refúgio para muitas delas e os ensinamentos sobre o artesanato são uma forma de gerar renda para elas.
Intercâmbio de saberes
Outra oficina importante executada pelo projeto Parentas que Fazem foi a produção de artesanato com a arte do teçume de arumã, considerada uma tradição milenar indígena. Teçume é como as artesãs, ou teçumeiras da Amazônia, chamam o ato de tramar as fibras vegetais, criando peças a partir dos talos de arumã. O arumã é uma espécie de cana de colmo liso e reto, que possui superfícies planas, flexíveis e que suportam o corte de talas milimétricas. No processo do teçume, o colmo da planta é descascado/raspado, areado e pode ser tingido ou mantido na cor natural.
Entre os momentos marcantes dessa atividade, houve a apresentação de desenhos que representam como é feito o manejo de tucum em cada comunidade, inclusive, com fluxogramas sobre a forma que eles fazem o manejo. Divididos em grupos, os participantes apresentaram seus desenhos e compartilharam suas práticas, desafios e soluções, fazendo uma grande troca de saberes.
Um dos nomes brasileiros mais promissores da moda no mundo, o estilista Maurício Duarte, que estreou no São Paulo Fashion Week, em 2023, com uma moda sofisticada que valoriza o legado dos povos originários, também participou de ações do projeto Parentas que Fazem, a convite da FAS.
Maurício, que é do povo Kaixana, acompanhou a oficina de teçume de arumã realizada na aldeia Yabi, do povo Baré, em São Gabriel da Cachoeira, município a 852 quilômetros de Manaus. Além disso, ele promoveu uma troca de conhecimento com as artesãs, ensinou técnicas e fez rodas de conversas, promovendo um grande intercâmbio.
O estilista foi recepcionado ainda na aldeia Yabi com o ritual Dabucuri, tradição milenar dos povos indígenas do Alto Rio Negro que celebra a fartura e a união entre diferentes povos, além de ser uma celebração de boas-vindas.
“Foi uma experiência muito incrível, é uma forma de fortalecimento muito grande do trabalho. A maioria das pessoas envolvidas são mulheres, o que deixa muito claro a força feminina e o trabalho na comunidade para o fortalecimento da cultura indígena”, disse Maurício.
Ele também esteve na sede da AMARN, em Manaus, onde encomendou algumas peças, conversou com as artesãs, fez troca de saberes, entre outras ações. Maurício conheceu mais sobre o processo de grafismo e tecelagem com a fibra de tucum, e também levou seus conhecimentos sobre moda e confecção de roupas.
O futuro nas raízes culturais
A supervisora da Agenda Indígena da FAS, Rosa dos Anjos, destaca o papel das oficinas como uma forma de valorização e resgate das culturas e tradições indígenas.
“Ao promover essa troca de saberes, nós contribuímos para a perpetuação das tradições e conhecimentos ancestrais por meio das expressões culturais como o grafismo, o artesanato, a tecelagem. Isto é uma forma de manter as culturas indígenas vivas, valorizando o trabalho das mulheres artesãs e disseminando-a para o mundo. Sabemos que o artesanato é uma importante fonte de renda para esses povos, e o Parentas que Fazem vem para fortalecer esse trabalho, levando autonomia para as organizações femininas da Amazônia indígena”, declarou.
Sobre a FAS
A Fundação Amazônia Sustentável (FAS) é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos que atua pelo desenvolvimento sustentável da Amazônia. Sua missão é contribuir para a conservação do bioma, para a melhoria da qualidade de vida das populações da Amazônia e valorização da floresta em pé e de sua biodiversidade. Com 16 anos de atuação, a instituição tem números de destaque, como o aumento de 202% na renda média de milhares famílias beneficiadas e a queda de 39% no desmatamento em áreas atendidas.
Sobre a Coiab
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) é uma organização indígena com 35 anos de atuação na defesa dos direitos indígenas à terra, saúde, educação, cultura e sustentabilidade, considerando a diversidades de povos, e visando sua autonomia por meio de articulação política e fortalecimento das organizações indígenas.
É a maior organização indígena regional do Brasil em número de povos incluídos e área de abrangência. Atua em nove estados da Amazônia Brasileira (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) e está articulada com uma rede composta por associações locais, federações regionais, organizações de mulheres, professores, estudantes indígenas, e subdividida em 64 regiões de base.
Sobre a Makira E’ta
A Makira E’ta – Rede de Mulheres Indígena do Estado do Amazonas é uma Organização da Sociedade Civil (OSC) independente, privada, de interesse público, sem vínculos político-partidários, com fins não econômicos, fundada no dia 29 de julho de 2017.
Tem como missão a promoção e o desenvolvimento social, político e econômico, com prioridade à mulher indígena. A Makira E’ta acredita em uma sociedade com igualdade de oportunidades a todas as pessoas e neste o protagonismo da mulher indígena, principalmente nas comunidades que não são alcançadas pelas políticas públicas estaduais e municipais.
Matéria originalmente publicada em: FAS